Por Júnior Bueno
Uma briga de garotos, cada qual com 11 anos. Um acerta o outro com um bastão e os pais de ambos se reúnem pra apaziguar a situação. Uma situação comum, envolvendo pessoas comuns. Nas mãos de Yasmina Reza, dramaturga argelina radicada na França vira uma peça visceral, instigante, contundente. Nas mãos do diretor Roman Polanski, vira um filme preciso, inteligente destinado a se tornar cult. Nas mãos de Kate Winslet, Jodie Foster, Cristoph Waltz e John C. Reilly vira um dos mais inteligentes e bem feitos jogos de cena.
O filme Deus da carnificina, em cartaz mostra casal Cowan (Kate e Cristoph) na casa dos Longstreet (Jodie e John), onde foram para resolverem de forma civilizada o incidente envolvendo os filhos de ambos. E se esforçam para que tudo se encerre de forma amistosa. Contudo, mesmo nas conversas amenas sobre coisas aleatórias como uma torta de frutas (“É de maçã e pera”) é visível uma tensão entre os pares. Mas aos poucos, as atenções se voltam para seus trabalhos e vidas conjugais e a polidez inicial acaba dando lugar a uma sucessão de alfinetadas e insultos. Por fim o destempero toma conta de todos, que se revelam intolerantes e selvagens em situações-limite.
Eu sei que blockbusters como Prometeus e Os vingadores tem mais apelo, mas eu recomendo Deus da carnificina por três grandes motivos: o roteiro, a direção e o elenco, três elementos vitais para todo bom filme.
Comecemos pelo texto: Yasmina Reza tem feito sucesso onde quer que seus textos sejam encenados. Aqui, Deus da carnificina foi encenado por Julia Lemmertz, Debora Evelyn, Orã Fiegueiredo e Paulo Betti, na bem sucedida adaptação de Emilio de Mello. Os diálogos da autora conseguem soar comuns e ainda assim, trazer nas entrelinhas ganchos para que o público possa “pescar” subentendidos. As situações corriqueiras funcionam como metáfora. Peguem os dois garotos que brigam no filme e substituam por Israel e Palestina, por exemplo, e veremos porque os homens não conseguem resolver situações de conflito.
A direção de Polanski é segura e já a conhecemos de trabalhos vencedores, como O pianista. Aqui ele filma a ação num apartamento real, não num cenográfico e cria um clima claustrofóbico para a ação. Ao adaptar uma peça, o diretor optou por transpor para a tela a mesma dinâmica do palco, o que dá ao público a sensação de participar da cena e isso é fundamental quando o clima do filme começa a ficar mais tenso.
Por fim, a reunião de oscarizados (John Rilley ainda não tem um homenzinho dourado, mas sempre faz por merecer) que joga divinamente em cena no filme. Cada um brilha e traz dimensões humanas para seus personagens. Jodie Foster, na pele da nervosa e politicamente correta Penelope; Kate Winslet, com a (a princípio) delicada e contida Nancy. Cristoph Waltz como o arrogante e ocupado. E Rilley, no papel que é a sua marca registrada, o loser gente boa Michael. A química entre eles é absurda, cada um tão entregue a seu papel que cada fala sai “redondinha” e não há um único momento ruim ou mal executado. Enfim, é um filme sem grande estrondo, nenhum efeito visual, nenhum galã salvando o mundo ou estrela mostrando seus dotes físicos. Mas mesmo assim, eu garanto, é um filme do qual você vai lembrar por muito tempo.
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