Por Daniel Miyagi
Cada época tem suas virtudes e qualidades. Mas se houvesse uma máquina do tempo, gostaria de ter vivido e conhecido certos lugares e artistas que não são dessa época. Se pudesse ser o personagem de Woody Allen em Meia-noite em Paris e ter a possibilidade de conhecer os artistas que admiramos, com certeza saberia quem queria conhecer.
Outro dia conversava com meu amigo Fabio Dias via e-mail e dizia que queria ter conhecido uma boate antiga, que foi palco para muitos artistas gays. Mas também queria ter visto mais peças e filmes ou novelas de grandes atrizes, Dina Sfat e Tônia Carrero, por exemplo. Mas graças a Deus tive a sorte de ver uma peca encenada por Tônia, linda, eu não tinha nem completado a maioridade e a vi num espetáculo solo, Esta Valsa e Minha, dirigido por Marcio Aurélio, baseado na biografia de Zelda Fitzgerald.
Cartaz da peça em que participou com Antônio Abujamra |
Outra grande atriz que queria ter assistido o trabalho com mais profundidade, mas também tive a sorte de ver ao menos uma peca, foi Cleyde Yáconis. Ainda na minha adolescência, assisti a peca A Cerimônia do Adeus de Mauro Rasi, fechando uma trilogia autobiográfica. Nesta peca, o personagem Juliano (alter-ego do autor) conversava com nada menos que com os escritores Jean Paul Sartre e sua esposa feminista Simone de Bevoauvoir. Quem interpretou os escritores foram Antônio Abujamrae Cleyde Yáconis.
Irmã do mito Cacilda Becker, teve uma infância sofrida e só aos vinte e poucos anos estreou como atriz, meio que acidentalmente ao substituir outra atriz da companhia teatral que fazia parte. E nessa época sua irmã já era conhecida e aplaudida.
A TV teve pouca chance de explorar seu talento. Os papeis mais marcantes na TV foram papeis cômicos que Silvio de Abreu criou muito bem. Mas o que me marcou foram pedaços, via YouTube, que vi da novela O Ninho da Serpente, do grande dramaturgo Jorge Andrade, onde ela fazia a matriarca de uma família paulista burguesa decadente, uma vila, querendo controlar a vida de seus filhos e manter a aparência do nome tradicional da família, manipulando maquiavelicamente conforme suas conveniências. Sentia falta dessa Cleyde dramática na TV.
Com Imara Reis em "Ninho da Serpente" |
Em uma das poucas entrevistas para TV, Cleyde fala quando foi presa pela ditadura militar e a importância de sua irmã nesse episodio:
"Inexplicável. Naquela época fazia o que todo brasileiro consciente fazia. Assinava relatórios pedindo absolvição de pessoas presas, mas nenhuma atividade política agressiva, não fazia parte de armamentos, de assaltos a bancos, nada disso, era uma posição intelectual a favor da democracia. Eu terminei o espetáculo, estava com o Stênio (Garcia) que era meu marido naquela época, e tinham uns cinco carros de policia me esperando, me prenderam... -pausa- eu não entendia o porquê, fui recebida por um homem muito agressivo, me fez ameaças. Quando sai do teatro perguntei se meu marido pode me acompanhar ate o DOPS (Departamento de Ordem Política Social)? Mas deixaram o Stênio vir junto até o DOPS, que era perto da Estação da Luz. E disse pra ele "Avisa a Cacilda!" isso já era por volta da meia-noite. Disseram-me que à uma e meia da madrugada receberam telefonemas do Ademar de Barros (ex-governador de SP), da mulher dele, dos Mesquitas todos, que disseram para o delegado que me recebeu: ”Não toque nessa moca porque ela é irmã de Cacilda Becker!”. A Cacilda era intocável! A Cacilda quando recebeu o recado levantou São Paulo inteiro... No dia seguinte estava solta, a Cacilda mobilizou São Paulo inteiro porquê não sabia se eu ia ser torturada. Eu não sabia o porquê de estar sendo presa. Se não fosse a Cacilda não sabia o que podia ter acontecido comigo"
Mas relembrando esse depoimento no momento em que foi presa pela ditadura militar, podemos ver o ser humano que poucos conhecemos e ver como sua irmã foi importante. Pra ela, mais do que o mito Cacilda Becker, era mais importante a irmã Cacilda. Acreditem ou não só depois da maioridade que descobri que Cleyde Yáconis era irmã da Cacilda Becker. Eu já era apaixonado por essa atriz.
Com a irmã Cacilda Becker |
Os anos 2010 infelizmente vai ser marcado pela despedida de toda uma geração de artistas brasileiros da mais alta qualidade. Muitos deles, não tiveram a popularidade que a TV proporciona, portanto, são os privilegiados que tiveram a chance de assistir algum filme ou peca de teatro com esses monstros sagrados (termo chavão clichê, mas é a pura verdade) como Tônia Carrero ou Cleide Yaconis.
Eu tive essa chance.
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