Por Rafael Barbosa
Há muito venho planejando pendurar um post dedicado a Manoel Carlos, o cara das Helenas, dos dramas cotidianos, do Leblon, das trilhas com Bossa nova e enfim, o nosso bom e velho Maneco, o qual hoje considero o meu autor de novelas favorito, e que se não é o melhor, é pelo menos um dos melhores no que faz. Aproveitando as expectativas para com sua próxima novela, em família, cuja estréia se aproxima e que deve ser a última que escreverá, resolvi enfim fazer minha homenagem. O post consiste em um passeio pela obra do autor na televisão, e que será divido em duas partes, abaixo segue a primeira. Para você que assim como eu é fã e admira esse grande nome de nossa teledramaturgia, aproveitem.
PARTE I
CARREIRA
"Eu não sou desorganizado. Sou de uma organização pessoal absolutamente incompreensível"
Manoel Carlos está na Televisão desde sempre, e antes de vir a ser um dos mais notórios novelistas da TV brasileira, fez um pouco de tudo: atuou, produziu, dirigiu e claro, escreveu muito. Esteve envolvido em programas de muito sucesso na TV, como: A Família Trapo (1967, Rede Record), O fino da Bossa (1966, Rede Record), Chico Anysio show (1963, TV Rio) e o tradicional Fantástico da Globo, o qual dirigiu logo no inicio do programa, em 1973, entre outras coisas. Mas é claro que foram com as telenovelas, paixão nacional, que Maneco se tornou famoso. Suas primeiras experiências com o gênero se deram através de bem sucedidas e primorosas adaptações literárias pro horário das seis. “A Sucessora” (1978) é considerada um dos maiores clássicos do horário. A primeira experiência no horário mais nobre da Globo foi como co-autor de Água Viva (1980), um grande sucesso do colega Gilberto Braga, no qual teve um papel fundamental e que sem dúvida influenciou o estilo que viria consagrá-lo posteriormente. Sua primeira novela original e contemporânea foi Baila comigo em 1981, considerada um primor, que significou uma nova linguagem para o gênero, marcando assim o inicio desse jeito Maneco de escrever novela. Baila Comigo também apresentou a primeira das nove Helenas, vivida impecavelmente pela saudosa Lílian Lemmertz. Após Sol de Verão (1982), marcada pela morte de Jardel filho, seu amigo pessoal e protagonista da trama, Maneco abalado se desligou da emissora após deixar os trabalhos à frente da história, retornando quase dez anos depois para escrever uma sucessão de novelas marcantes, charmosas, de grande repercussão e de muito sucesso junto ao público e crítica, são elas: Felicidade (1991) e História de amor (1995) ás seis horas, Por amor (1997), Laços de Família (2000) e Mulheres Apaixonadas (2003) ás oito horas. Vale dizer que com exceção de Felicidade, todas essas foram dirigidas por Ricardo Waddington, com quem Maneco teve uma parceria muito feliz. Em suas duas últimas novelas, diferente das anteriores, Maneco já não se saiu tão bem e por isso, Páginas da Vida (2006) e Viver à Vida (2009) são considerados seus trabalhos mais fracos, essa última foi inclusive mal de ibope e crítica. Não se pode esquecer-se de falar das duas minisséries escritas por Maneco, que também obtiveram grande êxito e que são muito queridas pelo público, são elas: Presença de Anita (2001) e Maysa: Quando fala o coração (2009).
UM INCONFUNDÍVEL ESTILO
“ As pessoas querem ver o dia-a-dia. Desde que seja o dos outros, claro”.
Manoel Carlos é um autor que tem um diferencial importante dentro da teledramaturgia nacional, ele conseguiu desenvolver um estilo único para desenvolver suas histórias. Seu universo ficcional remete ao dia a dia das famílias brasileiras, desde uma simples conversa no café da manhã sobre a previsão do tempo, por exemplo, até as pequenas e grandes alegrias e tristezas pelas quais todos passamos, no melhor estilo crônica urbana. É como se ele penetrasse na intimidade de uma família ou círculo de amigos.
Maneco busca inspiração nas pessoas com quem convive no bairro onde mora há anos e que é o cenário principal de todas as suas novelas: o famoso Leblon, e também nas histórias de vida, nas relações familiares onde sempre há grandes crises, segredos, rompimentos, mágoas e etc, nas questões que afligem a sociedade de um modo geral e nas coisas corriqueiras que acontecem com todo mundo todos os dias. Maneco faz isso com muita simplicidade e sensibilidade, prima pela emoção e busca sempre nos levar a refletir de alguma maneira através de seus personagens extremamente humanos, que espelham nossos sentimentos, medos, incertezas e convicções. Seu texto é firme, gostoso de ouvir, naturalista, mas que ao mesmo tempo tem algo de poético e lírico, de uma beleza ímpar. O melhor é que Maneco consegue encaixar dentro de seu estilo, os ingredientes e recursos indispensáveis a qualquer folhetim, e com isso não descaracteriza o gênero. Tudo isso tendo a beleza e o clima solar do Rio de janeiro como pano de fundo.
Por pior que seja uma novela de Manoel Carlos - como Viver à Vida, que foi metralhada por todos os lados enquanto foi exibida – ele não nos dá menos que um bom texto, personagens bem construídos, situações ricas e questões de relevância social que sempre prestam um serviço bacana. É exatamente por isso que não ousaria classificar uma novela sua como meramente ruim, não mesmo. Confiram abaixo o diálogo entre Helena (Regina Duarte) e César (Marcelo Serrado) na antológica cena da troca dos bebês em Por amor, um diálogo que revela a questão chave da história e todos as aspectos a sua volta, discutindo amor, maternidade, ética e religião com muita propriedade e profundidade, nos colocando pra refletir sobre tudo isso e ainda proporcionando nos deleitar com o momento de clímax da história.
Maneco busca inspiração nas pessoas com quem convive no bairro onde mora há anos e que é o cenário principal de todas as suas novelas: o famoso Leblon, e também nas histórias de vida, nas relações familiares onde sempre há grandes crises, segredos, rompimentos, mágoas e etc, nas questões que afligem a sociedade de um modo geral e nas coisas corriqueiras que acontecem com todo mundo todos os dias. Maneco faz isso com muita simplicidade e sensibilidade, prima pela emoção e busca sempre nos levar a refletir de alguma maneira através de seus personagens extremamente humanos, que espelham nossos sentimentos, medos, incertezas e convicções. Seu texto é firme, gostoso de ouvir, naturalista, mas que ao mesmo tempo tem algo de poético e lírico, de uma beleza ímpar. O melhor é que Maneco consegue encaixar dentro de seu estilo, os ingredientes e recursos indispensáveis a qualquer folhetim, e com isso não descaracteriza o gênero. Tudo isso tendo a beleza e o clima solar do Rio de janeiro como pano de fundo.
Por pior que seja uma novela de Manoel Carlos - como Viver à Vida, que foi metralhada por todos os lados enquanto foi exibida – ele não nos dá menos que um bom texto, personagens bem construídos, situações ricas e questões de relevância social que sempre prestam um serviço bacana. É exatamente por isso que não ousaria classificar uma novela sua como meramente ruim, não mesmo. Confiram abaixo o diálogo entre Helena (Regina Duarte) e César (Marcelo Serrado) na antológica cena da troca dos bebês em Por amor, um diálogo que revela a questão chave da história e todos as aspectos a sua volta, discutindo amor, maternidade, ética e religião com muita propriedade e profundidade, nos colocando pra refletir sobre tudo isso e ainda proporcionando nos deleitar com o momento de clímax da história.
Helena: Espera, vamos trocar os bebês!
César: O que?
Helena: Você não vai avisar ninguém antes de trocarmos os bebês, Eduarda vai ficar com o que está vivo.
Cesar: Você está louca, não podemos fazer isso.
Helena: Podemos sim, e é o que nós vamos fazer. Escuta aqui César, pensa bem, eu já tive a minha vida, eu já criei a minha filha até o dia do seu casamento, eu já experimentei a felicidade de ter uma criança no meu colo, de amamentar um filho, de ver o sorriso da criança entendeu? A Eduarda não, ela ta começando agora, esse é o seu primeiro filho e com o que aconteceu hoje ela não vai poder engravidar nunca mais. Essa é a primeira e única chance que ela tem de ser mãe, e ela ta colocando toda a esperança de ser feliz nessa criança.
César: Nós não podemos pensar assim Helena, ela vai poder adotar, vai poder também gerar um filho numa outra mulher. Existem muitas maneiras dela substituir essa criança morta.
Helena: Nada e nem ninguém substitui um filho morto. Vamos trocar os bebês antes que acorde, ninguém vai saber disso nunca, nunca.
César: Helena, eu sou médico, eu tenho um compromisso com a verdade, eu fiz um juramento.
Helena: Você tem um compromisso com a vida, isso sim. Onde tiver vida, vai estar à finalidade, a verdade da sua profissão. Eu estou dando vida a minha filha. Eu posso arcar com a morte de um filho muito mais do que ela nesse momento. Eu não estou perdendo nada com isso, eu apenas vou amar o meu filho como se fosse meu neto e ela vai amar o irmão como se fosse filho dela. Pensa nisso, por favor.
Cesar: Você não vê que não pode mudar a vontade de Deus, foi por vontade dele que aconteceu dessa maneira.
Helena: Deus? Deus? Deus é amor, o que Deus pode ter contra uma mãe que resolve se sacrificar por uma filha? Sou eu que me proponho ao sacrifício, ninguém ta me obrigando a isso. Ela precisa desse filho muito mais do que eu, ela não pode ter outro. Ela não é saudável, o casamento dela está começando a balançar. César, ela colocou nesse filho toda a esperança. Eu tenho direito de fazer essa troca, eu não estou matando ninguém, eu estou só assumindo a maternidade de uma criança morta, eu exijo que você me ajude e que você guarde comigo esse segredo. César, Deus não é só a verdade dura e simples, Deus é vida, Deus é amor, Deus é felicidade e é isso que eu estou querendo preservar para minha filha. Que diferença faz saber que criança morreu, foi o meu, pronto. Eu faço essa doação, eu faço isso por amor.
TEMAS ABORDADOS
“Quando se lembram de uma novela minha, não lembram – em primeiro lugar – de uma cena cômica. Não. Do que as pessoas lembram é de como temas da novela foram importantes para a sociedade. Isso, para mim, vale mais do que mil salários.
O famoso Merchandising social é algo recorrente nas novelas de Manoel Carlos, pode-se dizer que ele é o campeão em tratar temas sociais em suas histórias, sempre procurando de alguma maneira prestar serviços importantes para sociedade e abrir os olhos da mesma para diversas questões. São temas reais muito bem entremeados em suas histórias, e que fora da ficção quase sempre refletem em algo extremamente positivo, como a Leucemia abordada em Laços de Família através de Camila, personagem de Carolina Dieckman, que proporcionou um gigantesco aumento no número de doações de medula óssea, além da inesquecível cena em que Camila raspa os cabelos. Outro caso foi à questão da violência doméstica abordada em Mulheres apaixonadas através da professora Raquel (Helena Ranaldi), diariamente espancada pelo marido, que promoveu um grande aumento de denuncias de mulheres na mesma situação contra seus companheiros. Em Mulheres Apaixonadas foi quando Maneco mais se utilizou de temas sociais, a novela inteira era quase que toda permeada por essas questões e todas muito bem retratadas. O Alcoolismo é um tema que não falta em nenhuma de suas novelas. Câncer de mama, ciúme doentio, homossexualidade, bissexualidade, celibato, maus tratos contra idosos, violência urbana, racismo, síndrome de Down, gravidez precoce, anorexia alcoólica, bulimia e deficiência física foram vários dos temas que Maneco já abordou. O grande mérito do autor é ter conseguido na maioria das vezes tratar desses assuntos, sem comprometer o objetivo principal de uma novela: o bom entretenimento.
“... Um cantinho, um violão, esse amor, uma canção, pra fazer feliz a quem se ama...”
Uma das coisas que tornam as tramas de Maneco ainda mais inconfundíveis, e que se tornou regra em seus trabalhos, é a presença de clássicos da Bossa nova em suas trilhas sonoras, dando ainda mais charme às histórias. O ritmo musical, aliás, parece estar completamente enlaçado ao universo ficcional de Maneco, como se uma coisa complementasse a outra. Particularmente, sempre que penso em uma novela dele, pareço escutar o ritmo no meu ouvido, ao mesmo tempo em que se ouço uma música qualquer de Bossa nova, imediatamente me vem imagens das novelas dele na cabeça. As aberturas de suas últimas 5 novelas foram todas composições de grandes nomes da música como Vinícius de Moraes e Tom Jobim, na voz de grandes intérpretes como o próprio Tom, Chico Buarque, Miúcha e João Gilberto. Falando de Amor, Corcovado, Pela luz dos olhos teus, Wave e Sei lá... A vida sempre tem razão, embalaram respectivamente as aberturas de Por amor, Laços de família, Mulheres Apaixonadas, Páginas da Vida e Viver à vida. Além da Bossa nova, as trilhas das novelas de Maneco são sempre recheadas de grandes nomes da música nacional e internacional, escolhas de muito bom gosto, belíssimas canções que pontuam todas as emoções e personagens marcantes do autor. Nomes como Maria Bethânia, Caetano Veloso, Bebel Gilberto, Nana Caymmi e Gal Costa são constantes nessas trilhas, assim como os novos nomes Marina Elali e Tânia Mara parecem ter caído nas graças de Maneco. Vale dizer também, que grandes cenas escritas pelo autor não seriam a mesma coisa se não fossem os belíssimos instrumentais tocando ao fundo, sempre muito bem selecionados, que ajudam a contar a história e nos emocionar, como este no vídeo abaixo, presente em Laços de Família, Mulheres apaixonadas e Páginas da vida.
Continua...
Na segunda parte: As Helenas, outros personagens, queridinhos com quem ama trabalhar, o futuro e o encerramento do post. Até lá.
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