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ENTREVISTA: Com exclusividade, Vitor de Oliveira fala tudo sobre Tieta, Bruta Flor e outros trabalhos

Por Fábio Dias e Daniel Miyagi


O autor Vitor de Oliveira que já é de casa, topou dar uma entrevista para nós para falar sobre seus recentes trabalhos. Para quem não sabe, Vitor, Rodrigo Ribeiro e Virgilio Silva acabaram de escrever uma versão da novela Tieta para o México, que em breve deverá ser produzida. Vitor também esta com uma peça em cartaz que vem fazendo sucesso, trata-se de Bruta Flor. Um texto escrito em parceria com Carlos Fernando de Barros, que discute bissexualidade e homossexualidade por um ângulo espiritual inédito no cenário teatral e faz uma reflexão sobre homofobia. A entrevista abaixo contou com a participação do elenco da peça e com o diretor Márcio Rosário. Confira, está imperdível!

Fábio Dias: Vitor, Você é o autor principal de Tieta, correto? Como surgiu o convite para escrever essa versão fora do país? Como chegaram até você e aos colaboradores, você que os escolheu?
Vitor: Essa oportunidade incrível caiu no meu colo. O convite foi feito pela minha amiga e também roteirista, Renata Dias Gomes. Na verdade, o convite original foi feito pra ela, mas como ela é contratada da Globo, não pôde aceitar e indicou a mim, o Rodrigo Ribeiro e o Virgílio Silva para o trabalho. A princípio, não adotamos essa hierarquia de autor / colaborador. Mas como eu tinha maior familiaridade e conhecimento da história, combinamos que eu escreveria a sinopse e criaria a história, assumindo essa função de autor principal. Mas todos vamos assinar como autores.

Fábio Dias:  Como foi o processo de criação da sinopse e  divisão do trabalho nos capítulos?
Vitor: Eu escrevi uma sinopse curta, apenas para termos uma visão geral e definirmos os rumos da história. Eu me encarreguei de escrever as escaletas (o resumo dos capítulos, cena a cena) e os meninos escreviam as cenas, como num processo normal de escrita de telenovela. Quero ressaltar que foi um trabalho muito feliz e harmônico, graças ao talento e empenho de nossa reduzida equipe. Conheço o Rodrigo Ribeiro desde quando ainda éramos aspirantes a roteiristas. Já fomos colegas de curso e, desde então, acompanhamos o trabalho um do outro, sempre com admiração e torcida mútua pelo sucesso. Rodrigo já escreveu novela pra Angola, foi colaborador do Aguinaldo Silva em “Fina Estampa” e “Império” e, atualmente, também integra a equipe de “O rico e Lázaro”, próxima novela da Record. O Virgílio, também do time de “Império”, eu só conhecia virtualmente e também foi uma grata surpresa. Nós três tivemos uma sintonia imediata e pegamos rapidamente o tom da história, a ponto de eu não mais saber quem escreveu tal cena. E assim fomos caminhando, escrevendo silenciosamente cinco e até seis capítulos por semana (algo impensável em equipes aqui no Brasil) e, modéstia à parte, com muita qualidade. Todos ficamos muito satisfeitos com o resultado e estamos muito ansiosos pelo início da produção e a receptividade do público do México, um terreno desconhecido para todos nós.

Fábio Dias: Você já colaborou com novelas na Rede Globo. Sentiu alguma diferença nessa nova experiência, teve liberdade total de criação? Ou teve alguma sugestão da produtora, para número de personagens, tamanho da novela? Aliás, quantos capítulos terão?
Vitor: Na verdade, senti mais semelhanças do que diferenças. Como nós três somos crias da Globo, acho que isso nos ajudou muito no trabalho. Quero ressaltar que as experiências profissionais que tive com Alcides Nogueira (em “O astro, em parceria com Geraldo Carneiro; e “I love Paraisópolis, com Mario Teixeira) foram fundamentais para que eu pudesse realizar esse trabalho com segurança. Tide (como Alcides é chamado por nós) vai ser, para sempre, minha grande referência, além de um amigo pra toda vida. Espero trabalhar com ele ainda muitas vezes. Sim, tivemos liberdade total na criação da história, isso foi muito bom. A única orientação que tivemos era a de escrever uma novela tipicamente brasileira, com todas as características de uma novela escrita no Brasil, com muitos núcleos e histórias paralelas. Então, posso dizer que deitamos e rolamos. A única coisa louca disso tudo é que uma novela tradicional é uma obra aberta, que vai sendo modificada, conforme o desempenho do elenco e a recepção do público. Nesse caso, escrevemos sem conhecer o elenco e sem a resposta do público, nos valendo sempre do potencial da história e do maravilhoso universo criado por Jorge Amado. Tudo o mais será uma grande surpresa. Ao todo, a novela terá 190 capítulos escritos.

Fábio Dias: A versão de Aguinaldo Silva foi uma novela com um certo realismo fantástico, essa versão terá qual estilo? Do que se diferencia da versão brasileira? É uma adaptação fiel ao livro, ou criou novos personagens?
Vitor: Vale ressaltar que não se trata de um remake da genial novela de 1989 escrita por Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretsohn, mas sim uma nova adaptação do livro, do qual os produtores detém os direitos. Mas é impossível não se influenciar pela novela brasileira, ainda mais que, não é segredo pra ninguém, que “Tieta” é minha novela favorita e Betty Faria, minha grande musa inspiradora. Então, nossa novela, apesar de não ser um remake, não deixa de ser uma grande homenagem à novela brasileira, que será sempre única e genial. Dito isso, tivemos que ser bastante fiéis ao livro, claro, com as atualizações necessárias. Tomei o cuidado de não incluir na história tramas e personagens que só existem na novela. O lado bom disso é que Aguinaldo e companhia foram muitíssimo fiéis ao romance de Jorge Amado, então há muitas tramas em comum nas duas novelas. Além disso, incluí personagens que só existem no livro e criei outros, conforme as necessidades dramatúrgicas foram surgindo. Também flertamos um pouco com o realismo fantástico, mas acho que a característica principal que buscamos é que fosse um autêntico folhetim, com direito a todos os ganchos, reviravoltas e emoções, sempre com muita liberdade criativa e algumas licenças poéticas.

Com Carlos Fernando Barros em Portugal
Fábio Dias: Você tinha roteirizado um filme para o cinema nacional, esse filme já foi gravado? Conte mais sobre esse projeto.
Vitor: Antes desse longa, escrevi dois curtas com o Carlos Fernando Barros: “Metade da laranja, dirigido por Thais de Campos; e “Operação Orquídea”, dirigido por Paulo Siqueira, com a maravilhosa Norma Blum no elenco. Ambos os curtas foram premiados no Festival Brasil de Cinema Internacional. Com isso, foram abertos os caminhos para que eu escrevesse esse longa. Trata-se de uma comédia, escrita em parceria com André Silveira, que vai entrar em pré-produção a partir do segundo semestre de 2017, por isso não posso adiantar muitos detalhes. Posso dizer que o protagonista é um dos santos mais populares de nosso país. Mas nada muito sério e religioso e, sim, diversão pura.

Daniel Miyagi: Fale da importância do colaborador. Acho uma profissão tão pouco valorizada e você já trabalhou como colaborador de algumas novelas. 
Vitor: Já trabalhei e ainda pretendo trabalhar como colaborador muitas outras vezes (risos). Concordo plenamente. Acho uma profissão pouquíssimo valorizada em que o reconhecimento (inclusive financeiro) está longe de vir na mesma proporção que o trabalho empenhado. Acho dificílimo, pois o colaborador ajuda a contar uma história que não é dele. É preciso ter uma grande sintonia com o autor titular, entender o universo que ele propõe na história. Além disso, contribui com um outro olhar e é um suporte para o autor que, muitas vezes, precisa lidar com muitas outras questões de produção que envolvem uma telenovela. Acho fundamental passar por essa experiência antes de assinar uma novela, assim como um piloto precisa de horas de vôo para comandar um avião. Se o autor cria as bases da história, o colaborador, muitas vezes, dá o tempero, que contribui para que aquela história seja saboreada pelo público.

Daniel Miyagi:  Qual a diferença do publico brasileiro e do publico mexicano, de como é o processo de novelas no México?
Vitor: Ainda não sei. Pretendo descobrir quando a novela entrar no ar.

Peça de Vitor que voltou em cartaz em 2016

Daniel Miyagi: Como é fazer teatro hoje em dia, em que uma peça é exibida apenas dois ou três dias na semana,  antigamente uma peça era de quarta a domingo. Isso não torna mais difícil viver de teatro e ao mesmo tempo não deixa mais elitista?
Vitor: Recentemente, estive em Lisboa e vi o anúncio de um espetáculo que vai ser apresentado de quarta a domingo, com duas sessões aos sábados. Confesso que deu uma invejinha (risos). Recentemente, tive dois textos meus encenados: “O que terá acontecido a Nayara Glória?” (cuja primeira montagem em 2013 teve direção de Rodrigo Ferraz), escrito em parceria com Carlos Fernando Barros e Fellipe Carauta, com direção de Edgar Benitez e, recentemente, “Bruta Flor”, que também escrevi com o Carlos. Ambos foram montados na raça, sem patrocínio e sem leis de incentivo. Em “Nayara”, banquei a produção do meu próprio bolso. Agora em “Bruta Flor”, o produtor e diretor, Marcio Rosário, foi quem levantou o projeto, de forma valente e incansável. Infelizmente, ainda não tive a experiência de ter uma peça em cartaz com patrocínio e com cachês estabelecidos, por isso digo: é mais que difícil, é quase impossível viver de teatro em nosso país, só com bilheteria. Mas ambas as experiências que tive, observando elenco e equipe envolvidos, trabalhando duro sem grana, mas com dedicação e empenho, posso concluir que o maior motivo pra se fazer teatro em nosso país é o amor. Só mesmo muito amor ao teatro pra ter tanto trabalho e quase zero de grana. Quanto a ser elitista, há um grande número de espetáculos teatrais de grande apelo popular, por isso lamento que o teatro ainda tenha essa aura de elite, uma vez que seu objetivo principal sempre foi o de se comunicar com o público.

Elenco da peça Bruta Flor: Pedro Lemos, Walkiria Ribeiro e Fábio Rhoden
Perguntas do elenco e direção do espetáculo Bruta Flor

Márcio Rosário: Você tem algum processo, mania ou ritual quando escreve um texto? Fica em silêncio, coloca alguma música? 
Vitor: Não sou uma pessoa muito afeita a manias e rituais. E ao contrário da maioria dos autores, ODEIO silêncio. Só consigo escrever com a tevê ligada, passando alguma bobagem em que eu não precise prestar muita atenção. Só ouvindo o barulhinho... (risos). E, de preferência, de madrugada, embora quando se está escrevendo novela, trabalha-se desde o momento em que se acorda até o momento de dormir.

Erika Farias: Qual foi a inspiração para escrever o texto?
Vitor: Na verdade, o texto foi uma encomenda de nosso produtor e diretor, Marcio Rosário. Ele nos pediu uma história com temática LGBT com doses de espiritualidade. Visionário que é, Marcio pretendia abordar essa temática já tão recorrente, mas por um viés inédito ou pouco explorado. Partindo disso, Carlos Fernando Barros e eu criamos os personagens partindo de nossas próprias experiências e juntamos tudo em um fio condutor. Foi muito rápido. Escrevemos esse texto em menos de uma semana e o resultado nos agradou bastante.

Fábio Rhoden: Sabemos que homofobia e preconceito são temas muito atuais e pouco discutidos. O que te levou a falar sobre esse assunto? Qual a mensagem que pretende passar com isso?
Vitor: Acho que não se trata de “passar mensagem”, mas sim, colocar o tema em discussão. Quando pensamos em homofobia, logo a associamos a alguns políticos e pastores polêmicos e conservadores, mas acho que ela vai muito além disso. A homofobia não é apenas um elemento externo. Ela já está dentro de nós, que fazemos parte de uma sociedade que quer nos enquadrar em papéis definidos desde que nascemos e em várias instâncias sociais, como família, escola, igreja, trabalho, círculo de amigos, televisão, etc. Em toda parte, há um clamor pela heteronormatividade e quem não se encaixa nesse padrão acaba marginalizado. Na época em que escrevemos o texto, li alguns artigos e matérias sobre homens que transam com outros homens, mas não se consideram gays. E usam várias nomenclaturas: high sexual, bromance, etc. Comecei a perceber que o problema está mais na nomenclatura do que no ato em si. Incrível perceber que homossexualidade ainda é um tabu em pleno 2017. E o avanço dessas forças conservadoras é o que mais assusta. Temos um único deputado assumidamente gay nos representando no Congresso e ele é diariamente bombardeado com ataques e calúnias de toda espécie. Já ouvi gays reclamarem que tem muito gay em novela ultimamente. Diante de tudo isso, tentamos não abordar o tema de forma maniqueísta, colocando o homofóbico apenas como agressor. No caso de nosso personagem, Lucas, talvez ele seja a maior vítima de seus atos. Enfim, nosso objetivo nunca foi apresentar respostas prontas para o tema, mas sim colocar mais questões para enriquecer o debate. 

Pedro Lemos: Como foi o processo de parceria com o Carlos Fernando Barros? Como acontece, já que é uma história que conta alguns episódios de vocês? E como é criar coletivo, escolher a história de quem? Qual hora dá pra colocar um detalhe a mais, ou fazer uma analogia do que aconteceu? Como escolher o que vai pra cena, da parte de quem e se tem algum tipo de conflito entre vocês ao mexer com história do passado em mexer nesses baús antigos?
Vitor: Então... vamos por partes...rs! Carlos e eu já temos uma facilidade em escrever juntos pelo fato de sermos casados e de pensarmos de maneira parecida. O fato de morarmos na mesma casa também torna o processo mais ágil. E essa intimidade também nos dá a liberdade de discordarmos e quebrarmos o pau quando necessário (risos). Mas tudo acaba bem no final. Do ponto de vista da técnica, primeiro pensamos a história juntos e definimos uma espinha dorsal. Depois começamos a escrever individualmente. Um fator que facilita bastante é o fato dele ser diurno e eu noturno. Então, escrevia de madrugada e ia dormir. Carlos acordava e continuava a escrever de onde parei. Já escrevemos vários textos assim. Do ponto de vista da história, o Carlos colocou muito da experiência dele no personagem do Lucas e eu no do Miguel. Mas isso serviu só como ponto de partida. Depois de construídos, os personagens ganham vida própria e se tornam entidades independentes. E esse processo de criação não para na autoria. Continua na direção e com a contribuição de cada ator, que sempre coloca sua marca pessoal no personagem que interpreta. Não sou o tipo de autor que se incomoda com cacos e que fica em cima, querendo corrigir tudo. Mas é fundamental que direção e elenco entendam a história e os personagens, senão fica muito distante do que foi criado. No caso de “Bruta Flor”, nem assisti a nenhum ensaio e tive a surpresa (positiva) junto com o público. Acho que Marcio teve uma sensibilidade incrível ao contar a história, inclusive na escolha do elenco e dos profissionais envolvidos. E que bom que já estamos há tanto tempo em cartaz, emocionando e transformando a vida de muita gente.

Com Carlos Fernando Barros na reestreia de Bruta Flor
Fabio Dias: Para encerrar, quais são seus projetos futuros?
Vitor: O futuro é sempre um pouco incerto, mas tem muita coisa por aí. Estamos muito ansiosos para que a novela aconteça logo. Penso que abrimos uma nova frente de trabalho para o roteirista, sempre dependente do restrito, seletivo e nada fácil mercado de nossa televisão. E pretendemos que “Bruta Flor” continue em cartaz esse semestre aqui em São Paulo e que estreie no Rio no segundo semestre. Além disso, a peça vai começar a viajar a algumas cidades. Vida longa e feliz. Também tem o curso de roteiro que Solange Castro Neves e eu ministramos anualmente, e que pretendemos abrir uma nova turma em breve aqui em São Paulo. Fora isso, tem o filme e um projeto de série para o segundo semestre, além de outros espetáculos já engatilhados. Tem um texto teatral meu chamado “Mãe”, que tenho muita vontade que ganhe os palcos. É uma homenagem à minha falecida tia que me criou e também a todas as mães do mundo. Fora isso, estou aberto a tudo de bacana que vier. Como diria Gil, “mistério sempre há de pintar por aí”...



SERVIÇO BRUTA FLOR
Todas as Quartas e Quintas-feiras às 21h no Viga Espaço Cênico (Rua Capote Valente, 1323 ao lado da Estação Sumaré). Você pode comprar ingressos pelo compreingressos, Grabit, Cheque Teatro e Sampa Ingressos 


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Sobre os entrevistadores



Daniel Miyagi gosta de falar do Brasil e Japão (afinal é um nipo-brasileiro), assistir filmes, internet, seriados, novelas, MPB, POP, ler livros, HQs, jornais, revistas. Adora fazer amigos. encontrar alguém falar de assuntos sérios, discutir a questão LGBT, política (é de centro-esquerda), economia comportamento e bobagens.



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