Por Rodrigo Ferraz
Ele é dos maiores sócios daqui d'o Cabide Fala, é sua terceira entrevista, mas ele sempre tem o que dizer. Com projetos incríveis, Claudio Fontana além de ser talentoso pra caramba, também é um grande produtor. Sem mais rodeios, vamos ler o papo mais que saboroso que tive com ele? Com direito a convidados especialíssimos como Alcides Nogueira (autor de diversos trabalhos dele), Nanda Rovere (jornalista do site De Olho na Cena, grande admiradora) e Cacá Toledo (Ator, já trabalhou com ele mais de uma vez incluindo atualmente em Estado de Sítio)!
Você é extremamente leal aos seus parceiros de trabalho, talvez os que você trabalha
com mais frequência são Gabriel Villela e Elias Andreato. Essa é a segunda vez que vocês 3 estão juntos ao mesmo tempo! Conte como é a parceria com cada um!!
"Gabriel Villela me salvou de uma vida medíocre" rs Conheci Gabriel quando ainda estudava direção na ECA-USP e o convidei para dirigir o Grupo de Teatro Amador do Esporte Clube Pinheiros. Desde então, admiro muito seu trabalho. E tenho o privilégio de produzir seus trabalhos, mesmo quando não estou em cena.
Elias Andreato é outro parceiro transformador. Já admirava seu trabalho como ator na série histórica de mon[ologos que fazem parte de sua carreira como Artaud, Oscar Wilde... Mas quando ele dirigiu "Adivinhe Quem Vem para Rezar", de Dib Carneiro Neto, quando atuei ao lado de Paulo Autran, a amizade se fortaleceu e descobri que somos almas gêmeas artísticas.
(Com Elias Andreato, em Esperando Godot)
Estado de Sítio de Camus é o seu segundo texto do autor, não? O que te motiva a montar textos dele como ator e produtor??
Ambos os textos de Camus que produzi e atuei: "Calígula" e "Estado de Sítio" são "tragédias da iinteligência", segundo Camus e nos ajudam a refletir sobre a condição humana: no primeiro caso, é um ensaio sobre a ambição e o poder e no último um estudo sobre os perigos do totalitarismo. "Calígula" surgiu de um desejo de Thiago Lacerda em protagonizar essa peça sob a direção de Gabriel. "Estado de Sítio" surgiu por iniciativa de Gabriel que se assustou com a decretação da intervenção militar no Rio. E, de alguma forma, o texto ganhou mais importância com o que vivemos recentemente na campanha eleitoral presidencial.
O Leleco e o Dentista (de Boca de Ouro) são personagens praticamente antagônicos da Morte (de Estado de Sítio), mas a direção é a mesma, apesar da concepção ser bastante distinta. Conta como é mudar essa chave mesmo repetindo alguns colegas de cena e o mesmo diretor...
É impossível comparar obras e personagens tão distintos mesmo. Leleco e o Dentista são criações do maior dramaturgo brasileiro: Nelson Rodrigues. Estão inseridos dentro de um universo bem carioca, bem brasileiro e bem característico da nossa sociedade. Apesar de também ter de criá-los sob a batuta de Gabriel e com a companhia de alguns colegas que participaram de ambos os processos, esses personagens tem personalidades distintas da Morte, de Estado de Sítio. Leleco é o marido traído, é o marido que se vinga e é o marido apaixonado nas 3 versões contadas por D. Guigui sobre o Boca de Ouro. A Morte (que nasceu da personagem Secretária do original de Camus) ganha um arquétipo simbolista na versão de Gabriel e, como tal, foge de características mais realistas. Sua concepção passa por outras fontes de inspiração e voz, corpo, maquiagem e energia são totalmente anti-naturalistas. É uma criação totalmente voltada ao teatro simbolista de Gabriel.
O que te motiva como ator e produtor montar um espetáculo?? A escolha de projetos é o que nos inspira a moldar nossa carreira. Trabalhar com autores e diretores e atores com os quais temos afinidade é o que me motiva. O produtor tenta viabilizar os sonhos do ator: esse é o lema doo ator-produtor no Brasil.
Creio que escolher projetos com grandes parceiros é o principal. Afinal, teatro é uma arte coletiva: o melhor das artes!
Nanda Rovere pergunta: Claudio, esmiúce um pouquinho o processo de criação da secretaria porque é encantador o olhar, os movimentos, intenções, os gestos.
Como todo processo de criação, este também foi penoso e caótico. Começa-se sempre por ler e reler a obra e todas as traduções disponíveis. A Secretária desenhada por Camus é uma mulher que secretaria seu chefe, A Peste, e com seu caderninho de notas, risca nomes em suas anotações e tal ação mata as pessoas da cidade invadida. Ao tentarmos ir por esse caminho nos primeiros ensaios, deparei-me com um incômodo e uma angústia: nem a personagem nem a direção de Gabriel pediam esse personagem construido de forma realista como sugeria o autor: foi aí que tive a ideia de transformá-la no arquétipo da Morte e fugir o mais longe possível do realismo: então a maquiagem de Claudinei Hidalgo para a sessão de fotos confirmou minha intuição e, com o sinal verde de Gabriel, trilhei o caminho dessa Morte com voz bradada, andar curvado, expressões grotescas e valorização da palavra! Daí vieram as Fúrias ou Cachorros ou Cérbero que ajudam na composição da Morte, trabalho lindo de Rogerio Romera, Zé Gui Bueno e Nathan Milleo.
(Em Estado de Sítio)
Cacá Toledo pergunta: Quando digo "uma sessão inesquecível" qual a primeira lembrança que te vem à cabeça?
Com certeza, uma sessão que me fez entender a importância do ofício do ator: Feliz Ano Velho, peça de Alcides Nogueira, baseada no livro biográfico que conta o acidente de Marcelo Rubens Paiva que o fez ficar tetraplégico. A peça transporta para o palco a decisão de Marcelo de reaprender a viver depois do acidente e viver feliz ! Denise del Vecchio e eu estávamos no saguão do hotel indo para o Teatro Pedro II quando nos deparamos com uma equipe de basquete de cadeiras de rodas. Denise os convidou. O espetáculo atrasou pois todos foram ao teatro (que só tinha um elevador especial para deficientes). Todos eles ficaram na primeira fila, onde havia espaço para eles. Na saída, todos estavam lá nos esperando. E um deles pegou na minha mão e me disse: Claudio, hoje você me fez entender porque sou tetraplégico! Eu posso sim ser feliz! E quem saiu agradecido fui eu pois entendi o poder transformador do ator e do teatro.
Eventualmente você faz TV, sempre em papéis tão distintos, isso é uma opção ou simplesmente acontece? Quais momentos mais te marcaram no veículo?
A TV é um veículo fascinante para exercitar a técnica de atuação para câmeras. Creio que um ator de teatro pode transitar com facilidade pela TV pois é no teatro que um ator se forma. A TV traz uma repercussão popular ao ator. E isso é muito bom. Também tive a sorte na TV de ser convidado por grandes autores como Alcides Nogueira e Silvio de Abreu para as primeiras novelas. Depois, os convites foram se sucedendo, mas sempre volto ao teatro após um período gravando para "recarregar as baterias". Atualmente a série "Confissões Médicas" na Discovery Channel é meu trabalho no video. É um formato muito interessante: como um docudrama, onde interpretamos personagens reais que aparecem também no video em depoimento. Faço o dr. Gaiotto, um conceituado cirurgião cardíaco.
Acho que meus papéis que mais marcaram foram o Áureo Poente, de Fera Ferida, de Aguinaldo Silva (Globo), o Manoel do Alpendre, de As Pupilas do Sr. Reitor (SBT), Jayme Penteado, da minissérie "Um Só Coração", de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira e o Jônatas, de Rei Davi, da Record, foram trabalhos desafiadores e estimulantes.
(No Seriado Confissões Médicas)
Sabemos da importância do Alcides Nogueira pra sua carreira, e somos fãs declarados dele! Conta para os leitores do O Cabide Fala, por que você o admira tanto! E quais momentos inesquecíveis vocês tiveram juntos!!
Alcides é um dos mais importantes dramaturgos brasileiros. Sua obra para o teatro é de tamanha magnitude que só quem viu suas peças encenadas sabe dizer o quanto ele é transformador e provocador, qualidades inegáveis de um verdadeiro artista. Sua alma inquieta produziu obras como "Traças da Paixão", "Pólvora e Poesia" ou mesmo "Feliz Ano Velho", sem falar em "A Ponte e a Água de Piscina" que marcaram a história do Teatro Brasileiro. Em TV, empresta seu talento e criatividade aos folhetins com criatividade e dinamismo. Sua contribuição para as minisséries históricas é também relevante, como em "Um Só Coração", que já mencionei, que nos relembrava de momentos tão especiais da Revolução de 1932, em São Paulo. "Ciranda de Pedra" é outra novela inesquecível de Alcides, com certeza. Trouxe o romantismo¨de volta e foi um sucesso de audiência no horário das 18h, mesmo sendo um remake. O elenco, encabeçado por meus queridos amigos Marcelo Antony (com quem dividi o palco depois em Macbeth) e Ana Paula Arósio, era um dos pontos altos da novela.
Alcides Nogueira pergunta: Claudio, você já fez grandes personagens no teatro e na televisão. Desses, que nós do teatro consideramos icônicos, qual você gostaria de representar? E por quê?
Rodrigo e Alcides, com a experiência e com a vivência com tantos artistas e amigos, aprendi que não escolhemos personagens, eles nos escolhem ! Nunca imaginei que estaria fazendo a Morte, de Estado de Sítio, de Camus, em 2018 ! Num período pós-eleitoral, onde mágoas e medos ainda estão pulsando e quando 2019 será um ano tão decisivo para o futuro de todos nós. E como esse texto e essa personagem são tão pertinentes a tudo que passamos... O importante ao se fazer teatro não é escolher personagens, é escolher os parceiros certos para juntos com todos: autor, diretor, cenógrafo, figurinista, outros atores, técnicos, iluminador, maquiador, fazer espetáculos com o poder transformador que só o teatro tem... Alguns dos personagens mais importantes da minha carreira foram escritos por você, Alcides Nogueira, talvez o dramaturgo que mais contribuiu para a minha formação e aprendizagem: sem Rimbaud, de Pólvora e Poesia, sem Nil, da Ponte e a água de Piscina, sem o Marcelo Rubens Paiva de Feliz Ano Velho, sem o Paco de Traças da Paixão, o que seria de mim? Sem falar nos maravilhosos personagens de minisséries e novelas como Um Só Coração, Cirande de Pedra, O Amor Está No Ar, Deus Nos Acuda, etc...
Gostaria de fazer qualquer personagem de um novo texto lindo de Alcides Nogueira, faço de olhos fechados e de coração aberto!
(Alguns dos papéis que fez com texto de Alcides: Pólvora e Poesia, Ciranda de Pedra, I Love Paraisópolis e A Ponte e a Água de Piscina)
SERVIÇO de Estado de Sítio
Teatro do Sesc Vila Mariana, Quinta à Sábado às 21h, Domingos às 18h, os ingressos vão de R$12 à R$40.
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