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O celeiro de talentos: em memória de Malhação

Por Fábio Leonardo Brito e Rodrigo Ferraz

Lembrar de Malhação é, para nós, lembrar de nossa própria história como espectadores de dramaturgia. É, talvez, uma das memórias mais afetivas que construímos, o que ficou claro no ato decisivo de escrever este texto: reunimo-nos para comentar, temporada a temporada, e o resultado foi um misto de empolgação e nostalgia. 

Descobrimos que vimos o nascedouro de muitos talentos na televisão ali, naquele fim de tarde, em produção a princípio despretensiosa, mas carregada de questões que atravessaram a vida de muitos adolescentes e jovens adultos, como nós.

“Estou com uma bobagem na cabeça. Posso tentar?” Foi assim que, em 1995, o diretor Roberto Talma, responsável por grandes sucessos na Rede Globo, se reportou a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, após conhecer o cotidiano de uma academia na zona sul do Rio de Janeiro. Observou a garotada, pessoas bonitas, os assuntos comentados, o frescor da juventude e imaginou o quanto aquilo poderia render, dramaturgicamente falando.

A ideia original era um projeto simples, cuja ambientação seria uma academia de ginástica. O elenco seria, majoritariamente, formado por jovens atrizes e atores, contando em seu casting com alguns mais experientes. Além do elenco, o projeto, em formato de soap opera, experimentaria jovens roteiristas e diretores, a fim de prepará-los para produções de maior monta. Talma, então, convidou os roteiristas Andréa Maltarolli e Emanuel Jacobina, levou-os até a academia Rio Sport, onde já havia acertado a gravação, reuniu poucos equipamentos e gravou um piloto.

O resultado foi promissor e o projeto foi aprovado. O programa seria diário, de segunda a sexta, mas seu formato não seria o de uma novela comum. A cada semana ou quinze dias, uma história nova se iniciava a partir do mesmo conjunto de personagens. Uma série diária, portanto. 

Acertada a forma, a direção de dramaturgia escalou os já experientes Ana Maria Morethzsohn e Ricardo Linhares – responsáveis por novelas como Tieta, Lua Cheia de Amor, Pedra Sobre Pedra e Fera Ferida, sucessos às 19h e às 20h – para coordenar a sala de roteiro, formada por promessas tais como os já citados Maltarolli e Jacobina, além de Charles Peixoto, Márcia Prates e Patrícia Morethzsohn.

O projeto despretensioso encantou a emissora com os resultados alcançados. Na primeira temporada, a história focava no tímido Héricles, vivido por Danton Mello, advindo de uma carreira infanto-juvenil em novelas como A Gata Comeu, Vale Tudo e Tieta. Além dele, Carolina Dieckmann, revelada em Sex Appeal, impressionava, juntamente com Ana Paula Tabalipa, André Marques, Cláudio Henrich e Luigi Baricelli. O elenco maduro era capitaneado por Sílvia Pfeifer, Nair Bello, John Herbert e Dill Costa. O ambiente era colorido, ensolarado, repleto dos arroubos juvenis e dos hormônios em brasa – aquilo que o horário, anteriormente ocupado pela Escolinha do Professor Raimundo e por séries estrangeiras merecia. Uma trama ligeira e leve, que não aprofundava muito mas deixava o espectador cúmplice.

Da academia Malhação, o cenário passou para a casa de Mocotó (André Marques), na rápida Malhação.com, e dela para o Colégio Múltipla Escolha, que impulsionou novamente o sucesso, renovando o formato. Dele, outros ambientes escolares foram testados, tais como a Escola Ernesto Ribeiro que se fundiu ao Múltipla Escolha, na temporada de 2008, o Colégio Primeira Opção, que centralizava a trama a partir de Malhação ID, no fim de 2009. De 2011 em diante, a história que se iniciava ano a ano começou a abrir mão da continuidade e renovava elenco (por completo, algo que não acontecia antes, sempre deixando alguns personagens) e cenários. Ganhava assim contornos de novela.

A cada temporada, Malhação revelaria atrizes e atores que ganharam o cenário televisivo, interpretando papeis de grande relevância para a telinha. Do folheteen vespertino se destacaram, além dos já citados, nomes tais como Luana Piovani, Débora Falabella, Nívea Stelmann, Thiago Lacerda, Rodrigo Faro, Daniel de Oliveira, Priscila Fantin, Roger Gobeth, Sérgio Hondjakoff, Fernanda Souza, Cauã Reymond, Daniele Suzuki, Bruno Ferrari, Fernanda Vasconcelos, Marjorie Estiano, Thiago Rodrigues, José Loreto, Sérgio Abreu, Letícia Colin, Sophie Charlotte, Caio Castro, Humberto Carrão, Daniel Dalcin, Micael Borges, Bianca Bin, Fiuk, Arthur Aguiar, Rafael Vitti, Jeniffer Nascimento, Alice Wegmann, Agatha Moreira, Juliana Paiva, Rodrigo Simas, Daniel Blanco, Maurício Destri, Bruno Gissoni, Marcelo Mello Jr., Jéssica Ellen, Nicolas Prattes, Giulia Gayoso, Felipe Roque, Heslaine Vieira, Gabriela Medvedovski, Ana Hikari, Manoela Aliperti, Daphne Bozaski, Daniel Rangel, Leonardo Bittencourt, Lucas Penteado, Matheus Abreu, Juan Paiva e Alanis Guillen.

O chamado “elenco maduro”, por muitas temporadas abrilhantou o projeto. Atrizes e atores consagrados deram o ar da graça e contribuíram com experiência para os lançamentos. Malhação contou com a luxuosa participação de figuras como Lilia Cabral, Débora Duarte, Maitê Proença, José de Abreu, Blota Filho, Denise Del Vecchio, Nuno Leal Maia, Helena Ranaldi, Lucélia Santos, André de Biasi, Kadu Moliterno, Tereza Seiblitz, Cissa Guimarães, Tássia Camargo, Cláudia Ohana, Carolina Kasting, Marcello Novaes, Letícia Spiller, Danielle Winits, Léo Jaime, Marcelo Várzea, Tuca Andrada, Isabela Garcia, Marcos Pasquim, Deborah Secco, Thiago Fragoso, Patrícia França, Emanuelle Araújo, Marcelo Faria, Eriberto Leão, Felipe Camargo, Marcello Antony, Malu Galli, Murilo Rosa, Camila Morgado, Carmo Dalla Vecchia, Luís Gustavo, Aracy Balabanian, Malu Mader, Ana Beatriz Nogueira, Karine Teles e Paloma Duarte.

Se atrizes e atores ganharam projeção a partir do projeto adolescente, novos autores também tiveram seu momento de impulsão, saindo dele para escrever novelas em diferentes horários. Foi o caso de Emanuel Jacobina, que sairia de Malhação para escrever, em 2002, a novela das 18h Coração de Estudante; de Andréa Maltarolli, autora da trama das 19h Beleza Pura; Patrícia Morethzsohn que, na Band, assinaria as duas temporadas de Floribella; Maria Helena Nascimento, autora da novela das 19h Rock Story; Rosane Svartman e Paulo Halm, consolidados também às 19h com Totalmente Demais e Bom Sucesso; e Alessandra Poggi, cuja assinatura esteve da trama das 23h Os Dias Eram Assim e está na novela das 18h em vias de estreia, Além da Ilusão.

Mais do que uma soap opera que falava de problemas de “jovens superficiais”, Malhação levantou temas profundos e necessários para a sociedade. Gravidez, maternidade e paternidade na adolescência, AIDS, abandono parental, valorização das artes e dos esportes, racismo, homofobia, assédio sexual, diferenças de opiniões políticas, exposição virtual, “cultura do cancelamento”, depressão, dentre tantos outros, trouxeram para a casa dos brasileiros questões que puderam – às vezes pela primeira vez – fazer parte das conversas entre pais e filhos.

Se não todos, mas a grande maioria de quem sonha ou sonhou em atuar pensou em passar por Malhação. O mesmo para quem sonha escrever ou dirigir para a televisão – no que podem ser incluídos os dois autores desse texto. 

O fim do projeto, que esperamos ser temporário, traz a tristeza de que alguns desses planos ficaram na geladeira. Sentiremos saudade de nosso sopro de juventude no final da tarde. Mas, mais do que isso, temos a felicidade de saber que pudemos acompanhar esse doce deleite por vinte e cinco anos. 

Os jovens do futuro terão oportunidades semelhantes? Não dá para definir agora. O certo é que nossa casa ficou cheia com uma grande celebração da diferença, uma reunião de jovens e experientes vidas brasileiras. Um projeto bonito e intenso, como a vida.

***


Autor: Fábio Leonardo Brito 

Dramaturgo e professor universitário de História. Mora em Teresina (PI). Tem interesses em temas ligados a cinema, música, comportamentos juvenis, teledramaturgia e cultura em geral.

Sobre o autor

Autor: Rodrigo Ferraz

Paulistano, diretor, ator, produtor e jornalista. Sua fome de cultura faz ele transitar nas mais diversas áreas, sem abrir mão de ser também público de teatro, televisão e cinema. Acredita que a cultura salva.

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1 Comentários

  1. Parabéns pelo texto, eu gostei muito e me fez viajar no tempo e pelas temporadas que assisti. Não foram todas, é claro. Gostava muito de Malhação, apesar de não estar assistindo nos últimos anos, com exceção de Viva a Diferença, que acompanhei durante a pandemia quando foi reprisada.

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