Por Rafael Barbosa
Sugestão: bote para tocar a música "Fazenda", de Milton Nascimento, enquanto lê o post. Eu ouvi enquanto escrevia... 🎶
Protagonistas / imagem: Memória Globo |
Há quinze anos, completados na última quarta-feira (15/05), chegava ao fim a novela das sete, Pé na Jaca, última do autor Carlos Lombardi na Globo – antes de deixar a emissora, ele escreveu ainda o seriado Guerra e Paz (2008).
Embora esteja longe de ter sido um sucesso e de ser, para
muitos, uma obra esquecível, a novela acumula muitos fãs saudosos, o que
demonstra que teve um público fiel na época em que foi exibida.
Pessoalmente, tenho em Pé na Jaca uma das minhas tramas favoritas
do horário. Ela entra fácil no meu Top 5.
Nas linhas abaixo, busco relembrar a história e elencar os motivos que fazem dela uma trama saudosa.
Logo / reprodução internet |
O universo lombardiano
Carlos Lombardi tem um estilo muito peculiar que, a
despeito das acusações de abuso no apelo sexual e das reclamações pelos bofes
sem camisa, sempre encheu os olhos do público infantil. Suas tramas possuem um
quê das histórias em quadrinho, oferecendo muita ação e aventura.
Me lembro de sentar na frente da televisão, muito menino
ainda, e me sentir empolgado assistindo “Uga-Uga”
e, principalmente, “Kubanacan” - e juro que não era só pelos descamisados (risos)
-.
Me divertia com todas aquelas peripécias de seus heróis, que precisavam lutar contra bandidos perigosos, salvar donzelas em perigo ou fugir das maiores enrascadas. O pescador parrudo de Marcos Pasquim não ficava devendo em nada para muito super-herói famoso por aí.
Marcos Pasquim como herói lombardiano / magem: Memória Globo |
Era isso o que mais me chamava a atenção no universo
lombardiano até aquele momento.
Mas com Pé na Jaca a coisa foi diferente. Continuei
curtindo as cenas de ação e aventura, é claro, mas dessa vez o que me prendeu
mesmo foram os dilemas humanos, as relações, as histórias familiares, de
perdão, de encontros e desencontros.
A amizade como ponto de partida
A novela parte da amizade entre cinco crianças de realidades muito diferentes, surgida ainda na infância e de forma bastante espontânea.
Durante umas férias no interior de são Paulo, elas se encontram por acaso na beira de um rio, na fictícia cidade de Deus me livre, e acabam brincando juntas. Naquele momento elas acreditavam que todos seriam amigos para sempre, mas depois cada um acaba indo para um lado e eles se perdem uns dos outros.
Protagonistas na infância / Imagem: reprodução internet |
Vinte e cinco anos depois, passamos a acompanhar os cinco protagonistas, agora adultos problemáticos, vivendo os maiores perrengues. Eles praticamente não se recordam do momento que passaram juntos na infância, até que um dia o destino faz com que se reencontrem.
A partir de então eles se metem nas maiores confusões, em uma trama permeada por brigas por herança, caça à fortunas, herdeiros misteriosos, segredos familiares, relacionamentos mal resolvidos e amores disfuncionais.
Dramas humanos disfarçados de comédia escrachada
De acordo com o site Teledramaturgia, antes da estreia da
novela, Carlos Lombardi fez o seguinte comentário:
“Defino
a novela como uma comédia, porque quero dar um tom mais leve à história, mas na
verdade é um drama. É a história de cinco pessoas que tentam reconstruir suas
vidas”.
Nessa fala, o autor define muito bem sua própria obra. Pé na Jaca reúne todas as características que o consagraram: ritmo alucinante, diálogos espirituosos e bem sacados, o tom anárquico, entre outros elementos. No entanto, acredito que essa possa ter sido a sua novela mais emocional.
(...) acredito que o que justifica o carinho dos fãs por Pé na Jaca até hoje é a qualidade de seus personagens e a ternura que se fez presente em quase todos os momentos.
Cena Pé na Jaca / imagem: Memória Globo |
A trama era sim uma comédia escrachada, no melhor estilo
besteirol, que proporcionava boas gargalhadas com seus tipos cômicos e todas as
situações amalucadas que se sucediam no enredo. Porém, a novela era também
muito humana, cheia de momentos comoventes.
Para além do sarcasmo e irreverência, a obra de Lombardi não
costuma ficar na superficialidade. Seus personagens são consistentes,
ricos, de um jeito que funciona dentro do seu estilo: dando conta das loucuras
do enredo, mas cheios de questões sérias.
Quando penso em “Pé
na Jaca”, lembro de algumas situações engraçadas, mas o que mais guardo com
carinho na memória são os afetos dos personagens. O maior acerto do Lombardi
se encontra aí, na tessitura das relações apresentadas.
Protagonistas / imagem: Memória Globo |
Me marcou muito a condução da amizade dos cinco
protagonistas, a forma com que eles, mesmo com as diferenças, terminam unidos. Lindas
as cenas em que os cinco tiram um dia para
aproveitar o rio, o mesmo em que se conheceram anos atrás, comemorando o
reencontro e se permitindo serem crianças de novo.
Foi bonito acompanhar também a relação deles com os filhos;
o forte laço entre Lance (Marcos Pasquim) e o irmão Tadeu (Rodrigo Lombardi); a
desconstrução do hilário e adorável Arthur Fortuna (Murilo Benício); a jornada
de redenção de Elisabeth (Deborah Secco); a busca da modelo Maria (Fernanda
Lima) por algo que preenchesse seu vazio; a batalha da heroína Gui (Juliana
Paes) por sua felicidade; as situações na padaria de seu Giácomo (Elias
Gleizer) e no sítio do Tio José (Leonardo Villar), entre outras coisas.
Betty Faria e Deborah Secco / imagem: Memória Globo |
Mesmo que a história tenha tomado alguns rumos estranhos, que em alguns momentos podem não ter funcionado bem, acredito que o que justifica o carinho dos fãs por Pé na Jaca até hoje é a qualidade de seus personagens e a ternura que se fez presente em quase todos os momentos.
A gente embarcava naquelas situações todas
porque acreditávamos e torcíamos por aquela turma.
No último capítulo, que fez aniversário na última quarta, me
lembro que quase tudo já tinha sido resolvido na trama. O que tivemos então foi
um episódio especial, uma celebração, com os personagens mais queridos confraternizando,
brigando e se amando dentro daquela casa grande do sítio, em que se passava grande parte da história.
Marcos Pasquim e Miguel Rômulo em cena / imagem: Memória Globo |
O final, com todo mundo reunido como uma grande família, com
os filhos que tiveram e mais um bando de agregados, é um dos que mais gosto em novelas.
Elenco se jogou na proposta
Além dos acertos do texto, o que fez com que a novela fosse
marcante para muita gente, sem dúvida, foi a disposição de um elenco muito bem
escalado. As atrizes e atores se jogaram no projeto, vestiram a camisa e se
mostraram desde o início muito entrosados.
Arthur Fortuna, de Murilo Benício, personagem marcante / imagem: Memória Globo |
Murilo Benício foi o maior destaque. Grande ator, com um currículo recheado de grandes papéis, ele tem em Arthur Fortuna um de seus melhores registros na televisão.
Arthur era engraçadíssimo com seus tiques nervosos,
maneirismos e trejeitos, além das trocas de nomes que fazia em relação aos
outros personagens. Mas também era fofo nas cenas de romance com Gui (Juliana Paes) ou nas em que se mostrava vulnerável. Foi a grande sensação da novela.
Flávia Alessandra, a Vanessa, grande destaque / imagem: Memória Globo |
Outra que se destacou muito foi Flávia Alessandra. Embora
não estivesse entre os cinco protagonistas, a atriz brilhou na pele da perua
sexy e tresloucada Vanessa, formando uma ótima dobradinha com Murilo. Dava para
sentir que a atriz se divertia muito em cena, mergulhando na mais pura comédia.
Fernanda Lima, a Maria imagem: Memória Globo |
O time protagonista foi muito bem escalado. Mesmo Fernanda
Lima, um tanto inexperiente e vinda da problemática Bang-Bang, em que foi muito criticada por sua atuação, se saiu
muito bem. O papel da modelo Maria Bo lhe caiu como uma luva. Considero a sua
Maria uma mocinha torta e apaixonante, para nenhuma comédia romântica botar
defeito.
Juliana Paes, na pele da heroína Gui, deixava para trás os
tipos “gostosona” que tinha feito até então. A ela coube o papel da mulher
batalhadora, mãe, romântica, sonhadora e que sofre um bocado. A atriz, ainda
uma estrela em construção, segurou a personagem com garra e com quilos de
carisma.
Juliana Paes, a heroína Gui / imagem: Memória Globo |
Deborah Secco talvez tenha ficado com a personagem mais difícil. Elisabeth não tinha a mesma leveza que os outros quatro protagonistas. Era um tipo denso, complexo, que começa como uma freira reprimida e vai se tonando uma vilã das mais maquiavélicas, até se redimir no final. Só mesmo uma atriz como Deborah, que sempre se joga em todas as personagens que faz, para dar conta de algo assim e fazer muito bem.
Marcos Pasquim parece ter revivido o Esteban Maroto, herói de Kubanacan, novela anterior de Lombardi, o que não é um problema. O ator é um dos que melhor encarnaram o herói lombardiano, o tipo musculoso, descamisado, valente, encrenqueiro, sempre disposto a bater e apanhar, que vive em apuros e é cheio de relações mal resolvidas. Pasquim nasceu para interpretar esse tipo.
Núcleo parque de diversões / Imagem: Memória Globo |
Rodrigo Lombardi, hoje um dos principais galãs da
televisão, teve na pele de Tadeu, o bonitão ingênuo e aparvalhado, o seu
primeiro grande destaque em novelas. O ator construiu um tipo interessante e de
fácil identificação.
Rodrigo Lombardi e Carla Marins em cena imagem: Memória Globo |
Entre os coadjuvantes vale mencionar ainda: Bruno Garcia
como Juan; Ricardo Tozzi como primo Cândido; Carla Marins como Dorinha; Emanuelle Araújo como Clotilda; Daniele Valente como Maria Celina; Miguel Rômulo como Carlinhos; Fernanda de Freitas como Leila; Carlos Bonow como Edimilson.
Cena da novela / imagem: Memória Globo |
Pé na Jaca também contou com diversas participações e a presença
ilustre de grandes nomes como: Betty Lago, Elias Gleizer, Leonardo Villar, Betty
Faria, Fúlvio Stefanini, Arlete Salles, Silvia Pfifer, Lolita Rodrigues, Drica
Moraes, Paulo Goulart, Walmor Chagas, Selma Egrei, Chico Anysio e muitos
outros.
Trilha Sonora: Milton, Bethânia, Elis e muito mais
Pensar na novela significa ouvir imediatamente a voz de Milton entoando “Fazenda”, a música tema dos cinco amigos.
Reprodução: internet |
Muito se comentou na época a respeito de desentendimentos nos bastidores entre o autor e a direção da novela, capitaneada por Ricardo Waddington. Lombardi não teria ficado satisfeito com a execução de seu texto nas telas.
Bem, se os diretores falharam em alguns aspectos da produção, no que diz respeito à música, eles acertaram em cheio. Não dá para falar de Pé na Jaca sem comentar a sua deliciosa trilha sonora.
Meu gosto musical é todo moldado pelas trilhas das novelas que cresci assistindo. Foi por meio delas que conheci e aprendi a gostar de grandes nomes, aliás, os maiores, a quem eu dificilmente teria acesso de outro modo. A Pé na jaca, por exemplo, devo a minha admiração por Milton Nascimento e Maria Bethânia.
Os cinco amigos / reprodução internet |
Pensar na novela significa ouvir imediatamente a voz de Milton
entoando “Fazenda”, a música tema dos cinco amigos. Uma das canções mais lindas
que já ouvi. As cenas em que os protagonistas se encontravam, seja no rio ou no
sítio, ganhavam muito em emoção por serem embaladas por essa música.
O tema de abertura, “eu ando OK” de Zizi Possi, é muito bom
e tem a pegada da novela, combina com aquela animação divertidíssima, mas sem
dúvida, “Fazenda” foi o grande destaque da trilha.
“Cheiro de amor” de Maria Bethânia, que embalou o conturbado
romance entre Lance e Maria, é até hoje, um dos meus temas de casal favoritos.
Lembro de ficar o dia inteiro com a música na cabeça:
“...de repente fico, rindo à toa, sem saber
por que...”
Casal Maria e Lance / imagem: Memória Globo |
O casal Arthur e Gui, também estiveram bem servidos de
trilha sonora. “Ainda bem”, de
Vanessa da Mata, outra linda canção que tocava bastante na novela, tinha uma
versão em instrumental que eu adorava.
E Marisa Monte, responsável por embalar inúmeros casais
apaixonados, neste caso, cantou a música tema da vilã, Elisabeth. “Infinito particular” ajudou a construir
a história complexa da personagem de Deborah Secco.
Deborah Secco, a vilã / imagem: Memória Globo |
Além das citadas, outras músicas que me marcaram muito nessa
trilha foram:
- Rocks, de
Caetano Veloso, tema de Vanessa;
- Lenda, de Céu,
tema de Maria;
- Você vai estar na
minha, de Negra Li., tema de Lance;
- Tudo por acaso,
de Lenini, tema de Tadeu;
- Corsário, de
Elis Regina, tema Gui e Lance;
- A gente merece ser
feliz, de Ivan Lins, tema geral.
Novela Incompreendida?
Pé na
Jaca
estreou em 2006, substituindo o fenômeno Cobras
e Lagartos, de João Emanuel Carneiro, que entregou o horário acima dos 40
pontos de ibope. Lombardi tinha a missão de sustentar esses números, o que acabou
não acontecendo. Sua novela penou para se manter nos 30 pontos.
Não gosto muito de classificar um produto que não atingiu
bons resultados de público como “incompreendido”, algo que geralmente acontece
quando se sai em defesa de determinada obra.
Fernanda Lima, Marcos Pasquim e Juliana Paes / imagem: Memória Globo |
Novela precisa agradar a maioria e isso pode ser o seu
maior bem, como também o seu maior mal. Se ela não consegue esse feito, se
grande parte do público não “a entende”, têm-se aí um problema e não interessa
muito que ela tenha tido o seu público cativo e que uma galera tenha gostado.
Logo, acho que as pessoas que não gostam de Pé na Jaca ou que não ficaram marcadas pela trama, têm seus motivos para isso.
Carlos Lombardi é um autor popular, mas
com uma assinatura muito forte, um estilo muito específico que costuma dividir opiniões.
Nem todo mundo aprecia.
Carlos Lombardi, o criador / imagem: Memória Globo |
Em geral, o autor não costuma trair sua marca, embora seja um craque e domine todos os macetes do folhetim clássico, tão bem que se sente à vontade para subverte-los. Ele não é de fazer tantas concessões. Com isso, os mesmos elementos de sua obra que fazem parte do público cultuá-lo, afastam uma outra parte.
Portanto, Pé na Jaca parece ser dessas novelas que não são
feitas para agradar uma maioria. Mas mesmo que tenha lhe faltado algo para o
sucesso nos números, a trama serviu muito bem a quem se propôs a assisti-la. Tem
muitos méritos e faz por merecer o carinho dos fãs que coleciona.
Flávia Alessandra e Ricardo Tozzi em cena/ imagem: Memória Globo |
Acho muito difícil que role alguma reprise no futuro. Acredito que há chances maiores dela entrar um dia, quem sabe, no acervo do Globoplay nesses projetos de resgate. Para os saudosos como eu, que ficariam felizes com isso, só resta torcer.
Ps: Carlos Lombardi seria uma boa aquisição para os projetos de novelas para streaming, né não?
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