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A nova travessia de Glória Perez pelo horário das 21h

Por Fábio Leonardo Brito


 

Sempre acompanhei com bastante atenção a dramaturgia de Glória Perez, especialmente desde O Clone. Gosto de pensar que há como se estabelecer inovações e tradição folhetinesca ao mesmo tempo, coisa que a autora promove, não apenas nos temas abordados, mas na própria forma de arquitetar suas tramas. Arquitetura que, conforme sabemos, ela constrói em um trabalho solitário, diferente da imensa maioria dos autores que possuem equipes de colaboração.

Na contramão da técnica ensinada nas escolas de dramaturgia, Glória Perez costuma investir na emoção ao invés de uma certa matemática de roteiro. Seus personagens flanam por um mundo de casualidades, acontecimentos até certo ponto fora da curva, coisas inusitadas. O que, afinal, nem de longe me parece motivo de crítica. Era essa a carpintaria da mestra de Glória Perez, a saudosa Janete Clair, sem dúvidas a maior de todas as novelistas de todos os tempos.


Na trama das 21h que estreou no dia 10 de outubro, Travessia, a autora retoma seu estilo através de uma intrincada chave de núcleos que convergem para a história da maranhense Brisa (Lucy Alves), que vê sua vida ruir quando o noivo, Ari (Chay Suede), embarca na missão de penetrar no universo do pragmático Guerra (Humberto Martins) e termina, nesse olhar profundo para o abismo, sendo tragado por ele através da sedução da mimada Chiara (Jade Picon), filha do empresário. Mais do que isso, Brisa é vítima de uma brincadeira irresponsável do garoto Rudá (Guilherme Cabral), que produz, indolentemente, uma deep fake, em que seu rosto é virtualmente trocado pelo de uma sequestradora de crianças, que a faz ser injusta e implacavelmente perseguida nas ruas de São Luís, até cruzar seu caminho com o hacker Oto (Rômulo Estrela).



 A arquitetura da trama de Travessia, em sua primeira semana, pareceu dar ênfase aos núcleos paralelos, notadamente a relação entre Guerra, sua esposa Débora (Grazi Massafera) e seu rival Moretti (Rodrigo Lombardi), com quem Débora tem um caso, ficando grávida de Chiara e morrendo tragicamente logo no primeiro capítulo. Também focou intensamente na relação difícil entre as irmãs Guida (Alessandra Negrini) e Leonor (Vanessa Giácomo), cuja disputa tem como estopim o casamento de Guida com Moretti, mas também mágoas do passado, o que leva à emblemática cena em que Leonor queima o vestido de noiva da irmã.


Tal estrutura de narrativa parece ter sido, inicialmente, mal-recebida pelo público, que desejava, logo de cara, ter mais de sua heroína e de seu drama, o que só veio a estourar efetivamente no sexto capítulo, exibido sábado, que termina com Brisa sendo confundida na rua com a traficante. A partir desse ponto, iniciou-se a saga de uma mulher injustiçada em busca de provar sua verdade.


Talvez o engate da história de Brisa e sua conexão mais intensa com os demais personagens – inclusive com os já conhecidos Helô (Giovanna Antonelli), Stenio (Alexandre Nero) e Creuza (Luci Pereira) – possa ajudar a história a “pegar” entre os espectadores órfãos do sucesso arrebatador de Pantanal. Essa, certamente, é a aposta da autora, que parece acreditar profundamente na qualidade de sua história, como acreditou tantas outras vezes, em que investiu com todas as fichas em sua criatividade e provou ao público que o faria apaixonar-se.



Se Glória conseguirá fisgar o público em Travessia é algo que apenas os próximos capítulos dirão. A mim, que sou um fã inveterado das histórias que nos convidam a voar sem pudores, há uma forte tendência de que me mantenha como uma audiência cativa.

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Autor: Fábio Leonardo Brito 

Dramaturgo e professor universitário de História. Mora em Teresina (PI). Tem interesses em temas ligados a cinema, música, comportamentos juvenis, teledramaturgia e cultura em geral

         

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