Por Rodrigo Ferraz
A diferença do encenador para o diretor é que o encenador cria bem mais que as cenas, ele é responsável por aquilo que deixa o teatro mais lúdico, criativo e inspirador.
Perdemos um dos maiores encenadores de teatro do planeta terra, considerando os primórdios até o dia de hoje.
Hoje, José Celso Martinez Corrêa virou imortal!
Zé Celso era tudo isso e mais um pouco. Em 1958, foi um dos fundadores do Teatro Oficina Uzyna Uzona e foi o único que permaneceu na cia até o dia de hoje. Sua peça de estreia foi "Vento Forte para papagaio subir".
Em 2008, vi uma nova montagem do mestre. Texto e direção eram dele, com o vasto elenco da Cia e, logicamente, ele em cena. Um texto autoral que contava como foi sua infância no interior de São Paulo.
Zé Celso era colega de Renato Borghi n'Oficina e na faculdade de direito do Largo de São Francisco. Foi o maior advogado que uma Cia de teatro teve, não em um julgamento, mas no dia a dia...
Defendeu com unhas e dentes que seu espaço cultural virasse um Stadium dentro de um parque, como era o projeto original da arquiteta Lina Bo Bardi. Mesmo não conseguindo, ele transformou e adaptou o projeto de Lina para o Teatro Oficina, que para muitos lembra um "sambódromo", em um dos teatros mais lindos do mundo, e não sou eu quem estou falando: várias eleições de revistas, jornais e sites pelo planeta o falaram.
Zé não pôde realizar esse sonho porque seu inimigo favorito (como diria ele), o empresário e apresentador Silvio Santos, queria fazer um shopping center naquele lugar ou, no mínimo, um condomínio.
A luta da vida do encenador ainda está aberta. Quem sabe com sua morte os Abravanel baixem a guarda.
Suas peças eram longas, quase nunca cansativas. Antropofágico, Zé foi o maior admirador de Oswald de Andrade que conheço. Ele muito nos honrou quando esteve aqui no Cabide falando dessa grande referência em sua obra. Clique aqui! Para conferir.
Ousado, pornográfico, político... Muitas vezes acusado de tirar a roupa de seus atores e, às vezes, da platéia (Quer um exemplo? Caetano Veloso. Adriana Calcanhotto até compôs uma música em homenagem a tal atitude antropofágica).
Toda sua obra foi muito coerente, mesmo nas suas maiores loucuras!
Marcelo Drummond, companheiro de Zé nos últimos 37 anos e seu parceiro de cena no oficina, casou com ele há um mês, com o principal intuito de facilitar a herança para ele, por toda sua parceria, não porque queriam rótulos. Foi uma festa inesquecível para quem foi!
Drummond estava no apartamento com Zé. Ricardo Bittencourt e Victor Rosa, atores da cia que moravam junto do casal, também estavam. Eles passam bem, apesar de alguns ferimentos e de inalação de fumaça em demasia!
Já tive a experiência de ficar naquele teatro por quase 12 horas assistindo um Port pourri das peças que eles fizeram nos primeiros 50 anos e este foi um dos meus dias mais felizes como frequentador de teatros.
Já ensaiei uma peça por lá com o Marcelo Drummond por alguns meses. Infelizmente a peça não aconteceu.
Fiz parte de um processo seletivo para produzir a Cia, e meu encantamento pela obra de Martinez talvez tenha me impedido de ser admitido.
No meu primeiro momento como público da Cia, fui o primeiro de uma plateia hipnotizada a liderar um grupo de seguidores que seguiu Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos. Quem interpretou, dirigiu e fez essa adaptação de Euclides da Cunha foi, claro, José Celso Martinez Corrêa!
Fiz uma poesia para ele, como referência à sua obra, ele e Adriana Calcanhotto:
Vamos comer Zé Celso??!
Vamos comer Zé Celso?
Não no pelo,
Ao menos que você queira...
Vamos deglutir de forma antropofagica,
Mágica felação,
Evocação ao maior,
Direito e direto,
Diretor,
EncenaDor
Humor,
Agora pelos poros,
Pelas ventas,
Pela alma e pelos orifícios,
Se ele quiser...
Vamos comer Zé Celso?
Minha gratidão por ter vivido na mesma cidade e tempo que esse mestre! Viva Zé Celso!! Eterno!!!!!
2 Comentários
Que texto sensível e profundo! Uma perda imensa. Com certeza ele fará muita falta!!!
ResponderExcluirFará sim! E obg pelo elogio!!
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